quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Sobre o projeto Mecanismos Poéticos para Projetos Utópicos

Até a história nós perdemos!

Até a história nós perdemos! Agora você vai contar para um neto seu, que está agora com 6, 7 anos.., daqui a 3, 4 anos… você fala: - Ah, eu fui pescador, eu peguei tal peixe..., e aqui deu muita tainha, surubinha, robalo, cascudo, jundiá, bagre. E aí ele fala: “- Mas, e aí vô, como é que eram esses peixes?” Você não têm nem fotografia para você mostrar de um peixe desses! Quer dizer, você perdeu a sua história! A enchente levou embora a sua história e nós ficamos aqui... perdidos (José de Fátima “Seu Fatim”, entrevista realizada em setembro de 2016). We even lost the history! Now you’re going to tell a grandchild of yours, who’s 6 or 7 years old now…, in another 3, 4 years… say: - Ah, I was a fisherman, I caught such a fsh, there was a lot of mullet, small catfish, sea bass, hard shelled catfish, common catfish. And he’s going to ask: Grampa, what did these fsh look like? You don’t even have a photograph to show what these fsh looked like! I mean, you lost your history! The flood carried away your history… and here we are … lost (José de Fátima “Seu Fatim” Fisherman and activist of Maria Ortiz, interview conducted in September, 2016). Jusqu'à l'histoire on perd! Vous allez maintenant dire à votre petit-fils, qui a maintenant 6 ou 7 ans, dans 3 ou 4 ans… vous dites: - Oh, j'étais pêcheur, j'ai attrapé un tel poisson ... , ‘surubinha, robalo, cascudo, jundiá, bagre’. Et puis il dit: «- Mais, papy, à quoi ressemblaient ces poissons?» Vous n'avez même pas de photo pour le montrer un tel poisson! Je veux dire, vous avez perdu votre histoire! L'inondation a emporté son histoire et nous sommes restés ici ... perdus (José de Fátima «Seu Fatim», entretien accordé en septembre 2016).

Sobre a obra

Sobre a obra: A obra TENSÃO é uma ação poética artística e de pesquisa junto ao Organon – Núcleo de ensino, pesquisa e extensão em mobilizações sociais sobre o desastre de mineração de 2015 no Rio Doce. A investigação compreendeu 3 anos de pesquisa de campo nos territórios afetados no Espírito Santo, período no qual foram realizados registros audiovisuais e profunda reflexão sobre as funções e disfunções desse tipo de registro. Concebido como um mecanismo alternador, TENSÃO requer uma escolha do espectador. Assim como os corpos dos entrevistados, os corpos dos espectadores também são afetados nesse processo. Sur l'oeuvre: L'œuvre TENSION est une action poétique artistique et de recherche avec Organon - Centre d'enseignement, de recherche et de vulgarisation en mobilisation sociale sur la catastrophe minière du Rio Doce en 2015. L'enquête a consisté en trois années de recherches de terrain dans les territoires affectés d’Espirito Santo lors desquelles des enregistrements audiovisuels ont été réalisés et une réflexion approfondie sur les fonctions et les dysfonctions de ce type d'enregistrement a été produite. Conçue autour d’un mécanisme alternateur, TENSION requiert le choix du spectateur. Comme les corps des interviewés, les spectateurs participent physiquement à ce processus. On the work: The work TENSION is an artistic and research poetic action with Organon - Center for teaching, research and popularization in social mobilization on the Rio Doce mine disaster in 2015. The survey consisted of three years of field research in the affected territories of Espirito Santo in which audiovisual recordings were made and a thorough reflection on the functions and dysfunctions of this type of recording was produced. Designed around an alternator mechanism, TENSION requires the choice of the spectator. Like the bodies of the interviewees, spectators physically participate in this process. Ficha técnica: Conception and artistic director/Concepção e realização artística: Diego Kern Lopes Lever Mechanism: Diego Kern Lopes Algorithm Programming: Nelson Aloysio Reis Interviews: Organon’s Team years (2015-2017) under the coordination of Cristiana Losekann Capture images and sounds: Diego Kern Lopes, Arthur Augusto dos Santos, Lorena Cavalcanti Franzotti Text: Cristiana Losekann e Diego Kern Lopes Proofreading of Portuguese, French and English texts: Isabel Kern Lopes, Yann …. , Graphic Design: Monotor General Support: Research conducted with funding from PROEXT 2016 - Ministry of Education of Brazil and supported by the University of Espírito Santo

Sobre o desastre

Sobre o desastre: No dia 5 de novembro de 2015 uma barragem de rejeitos de mineração se rompeu em Mariana, estado de Minas Gerais, Brasil. A lama da barragem, um composto de dejetos resultantes da extração de minério de ferro, matou dezenove pessoas e milhares de animais criados na região, soterrou pequenos vilarejos e desceu pelo leito do rio Doce, percorrendo mais de 600 Km, atravessando o estado do Espírito Santo, até chegar no mar. A lama continua lá. Esse desastre entra na história do Espírito Santo inusitadamente já que seus moradores jamais poderiam imaginar que seriam um dia afetados por uma barragem de rejeitos de mineração tão distante e que eles nem sabiam existir. Apesar disso, grande parte dessas comunidades tem uma relação histórica com a mineração de ferro. Isso porque o minério que é extraído em Minas Gerais é, em grande parte, escoado pelo território do Espírito Santo para exportação através dos portos que existem em seu litoral. Os afetados por esse desastre já conviviam com os trens que transportam diariamente o minério de ferro em vagões abertos. Essas pessoas estão há muito tempo conectadas em variadas dimensões de afetações pelas redes de extração e produção do minério de ferro. Sur la catastrophe: Le 5 novembre 2015 un barrage de déchets a rompu à Mariana, dans l'état de Minas Gerais, au Brésil. La boue du barrage, un composé formé par les résidus de l'extraction de minerai de fer, a tué 19 personnes et des milliers d’animaux domestiques et d’élevage dans la région, a recouvert des petits villages proches du barrage. La boue est descendue vers le fleuve, elle a voyagé plus de 600 km et lorsqu'elle a traversé l'Etat d'Espirito Santo elle est arrivée à la mer. La boue est encore là. Cette catastrophe entre dans l’histoire de l'Etat d'Espirito Santo d’une manière inhabituelle car ses habitants n’auraient jamais pu imaginer qu’ils seraient un jour touchés par un barrage de résidus miniers si loin, dont ils ne connaissaient même pas l’existence. Néanmoins la plus grande partie de ces communautés a une relation historique avec l'exploitation du minerai de fer. En effet, le minerai extrait dans l’Etat de Minas Gerais est en majorité transporté à travers le territoire d’Espirito Santo pour être exporté via les ports situés sur sa côte. Les personnes touchées par cette catastrophe coexistaient déjà avec les trains qui transportent quotidiennement le minerai de fer dans des wagons ouverts. Ces habitants d’Espirito Santo et de Minas Gerais sont depuis longtemps victimes des différentes conséquences inhérentes à l’extraction et à la production du minerai de fer. About the disaster: On November 5, 2017 a tailings dam broken in the municipality of Mariana, state of Minas Gerais, Brazil. The mud from the dam killed 19 people, hundreds of domestic animals in the region, buried small villages near the dam and moved downstream via the Rio Doce, crossing the State of Espírito Santo, until reaching the sea. The mud still here. This disaster enters the history of the State of Espirito Santo in an unusual way because its inhabitants could never have imagined that they would one day be affected by a dam of mining residues so far, of which they did not even know not existence. Nevertheless, most of these communities have a historical relationship with the exploitation of iron ore. Indeed, the ore mined in the state of Minas Gerais is mostly transported through the territory of Espirito Santo to be exported via ports located on its coast. The people affected by this disaster already coexisted with the trains that transport iron ore daily in open wagons. These inhabitants of Espirito Santo and Minas Gerais have long been victims of the various consequences inherent in the extraction and production of iron ore.

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E se pudéssemos parar as locomotivas que carregam minério? Parar as sondas que detectam hidrocarbonetos e minérios no solo; Parar as refinarias de petróleo; parar as máquinas que extraem ferro, bauxita, ouro etc.? E se pudéssemos parar os desastres que se anunciam a todo o momento? Estamos tão obcecados pelas nossas máquinas e técnicas – usadas para produzir outras máquinas que nos criam desejos cada vez mais frugais – que já não conseguimos perceber outros sons que não sejam os desse projeto de mundo. As vozes daqueles que resistem, que sonham, ou tentam, persistentemente, viver suas vidas já não são mais ouvidos e aos poucos vamos perdendo a crença na possibilidade de que outras formas de viver sejam possíveis. No tempo das catástrofes é preciso construir ouvidos que escutem Gaia, e sua intrusão como sugeriu Isabelle Stengers “a resposta a ser criada não é uma ‘resposta à Gaia’, e sim uma resposta tanto ao que provocou sua intrusão quanto às consequências dessa intrusão”. Mas, como podemos criar essa resposta se não conseguimos ouvi-la? Na barragem que se rompe é possível ouvir o som da Gaia ofendida, indiferente aos responsáveis pela ofensa, ela simplesmente é afetada e reage. Nós precisamos ouvi-la. Nosso trabalho apresenta uma proposta de escuta que passa pelo gesto de cada espectador.